Rafael Camargo

Pérolas e mariscos

Octocash. Esse era o nome do produto que eu e dois colegas lançamos há quatro anos. Começar a construir o próprio produto tendo apenas dois anos de profissão é uma experiência deslumbrante. Todos os integrantes transbordam otimismo. É tanto otimismo que ele sozinho é mais do que suficiente para desenvolver o produto. É tanta euforia que entender profundamente um problema passa a ser opcional. Após desenharmos um logo e as primeiras telas, programamos loucamente até colocar o produto no ar. Visitante após visitante, começamos a coletar então a amarga métrica de zero conversões. Ops! Ficou evidente que era preciso mais que só abrir a porta da loja pro negócio dar certo.

Mariscos

Depois do banho de água fria, saímos à caça das razões que ousaram secar nosso oceano de otimismo. Começaram as apostas. A maioria delas carregava consigo a ausência de uma feature. Não temos conversões porque o produto não faz isso. Não temos conversões porque o produto não faz aquilo. Em pouquíssimo tempo, tínhamos de uma enorme quantidade de trabalho pela frente. E quanto mais discutíamos, mais features gostaríamos que o produto tivesse. Acreditávamos que a cada nova feature adicionada ao produto, estaríamos aumentando as chances de alguém se convencer a pagar por ele.

Diante daquele alto volume de trabalho a ser desenvolvido e sem acreditar que estaríamos entregando alguma coisa que os concorrentes já não tivessem entregue, decidi sair do projeto. A minha conclusão foi que, por maior que fosse nossa boa vontade, a total falta de entendimento do problema nos tornava incapaz de oferecer algo que fizesse brilhar os olhos dos nossos clientes. Queríamos nos convencer do potencial do produto reunindo a maior quantidade possível de mariscos, sem notar que não tínhamos nenhuma pérola a oferecer.

Pérolas

Dois anos mais tarde, inspirado pela homepage de um produto que eu gostava tanto, WeDeploy, comecei a construir um novo produto. Dessa vez, infinitamente mais modesto. Além disso, eu estava protegido por completo da decepção de ninguém pagar por ele. O produto era open source, se chamava Glorious Demo e permitia a um desenvolvedor usar JavaScript para construir uma animação que simulava o desenvolvimento e execução de um trecho de código. Com pouquíssimas linhas de JavaScript, era possível criar uma animação que abria um editor, escrevia nele, abria um terminal, executava comandos e retornava respostas. Tornava-se possível com JavaScript fazer algo que até então demandava o uso de gifs.

Recebo o primeiro feedback positivo. Justamente de quem liderava o WeDeploy à época, Zeno Rocha. O seu tweet fez o projeto alcançar quase quarenta estrelas no Github. Obter pela primeira vez na vida um pequeno reconhecimento de pessoas que eu sequer conhecia já ecoava dentro de mim como o maior de todos os sucessos. Dias depois, numa quinta-feira à noite, divulgo o produto no Product Hunt. Na manhã de sexta-feira, acordo atônito ao ver o Glorious Demo como produto mais votado do dia. O projeto ultrapassa 300 estrelas e entra na lista de tendências do Github. Uma das publicações mais populares do mundo sobre CSS divulga o projeto. Um programador em Seattle cria um site chamado Road To Glory permitindo usar o Glorious Demo através de uma interface gráfica. O Glorious Demo se transforma em um plugin para Hexo pelas mãos de um programador Sul Coreano. Blog posts são escritos em árabe e japonês.

Hoje, dezoito meses após o lançamento, aquele pequeno produto feito com 80 commits alcança uma popularidade de três mil estrelas no Github, e o site do projeto contabiliza dezenas de milhares de visitas vindas de mais de 150 países. Não me restam dúvidas de que, em Novembro de 2018, de maneira despretensiosa e acidental, eu tinha de fato descoberto uma pérola.

Impacto ao invés de features

Se a ausência de features costuma ser a explicação para a baixa adesão a um produto, o real problema pode não ser a a falta delas, mas o fato das que já existem não fazer brilhar o olho de ninguém. No livro Rework, Jason Fried e David Hansson comentam concorrência e quantidade de features numa seção chamada Underdo your competition. Desbanque seus concorrentes fazendo menos, não mais.

Conventional wisdom says that to beat your competitors, you need to one-up them. If they have four features, you need five (or fifteen, or twenty-five). If they're spending 0,000, you need to spend $30,000. If they have fifty employees, you need a hundred.
This sort of one-upping, Cold War mentality is a dead end. When you get suckered into an arms race, you wind up in a never-ending battle that costs you massive amounts of money, time and drive. And it forces you to constantly be on the defensive, too. Defensive companies can't think ahead; they can only think behind. They don't lead; they follow.

Rework

De vez em quando nos pegamos em meio ao desenvolvimento de um produto que se considera atrás do concorrente por ter menos features. Que acredita que o sucesso do produto consiste necessariamente em superar a enorme lista de features que o concorrente já oferece. Nesse momento, podemos cair na tentação de conduzir o desenvolvimento do produto por um caminho já trilhado. Podemos chegar à conclusão absurda de que os olhos do nosso cliente vão brilhar quando entregarmos exatamente aquilo que o concorrente já oferece. Querer superar um concorrente com a quantidade de features, ao invés de se dedicar à qualidade de cada uma delas, é se reduzir a colecionar mariscos. Não importa quantos você consiga amontoar, jamais vão se igualar ao impacto causado pelo brilho de uma pequena pérola.

Todo mês, uma boa dica de programação pro seu dia a dia.

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